Amar o dinheiro ou amar os livros — qual é o pior? [Portuguese translation]

[This is a Portuguese translation of “Loving Money and Books —  Which is More Evil?”, originally published in English at EveryJoe.]

Eu trabalhei no setor de construção civil por alguns anos antes de retornar à universidade. Meus companheiros trabalhavam muito, e um espírito de virilidade masculina prevalecia entre eles. Cervejas, pickups e pesca eram parte do seu modo de vida.

Que fique claro: na questão da masculinidade, eu me garanto. Ao mesmo tempo, sou um indivíduo que gosta de ler, e havia um viés anti-intelectual muito forte entre eles.

Por exemplo, meu contramestre ficava espantado por meu desejo de retornar à universidade. “Não sei porque você quer andar com aqueles intelectuais homossexuais, Steve”, disse ele, certo dia, balançando a cabeça. Para ele, ensino superior “questionador” era sinônimo de uma sexualidade questionável — assim como, para outras pessoas, riqueza questionável é associada com moralidade questionável.

O que nos leva ao tema do artigo: o dinheiro é uma das grandes invenções de todos os tempos, assim como os livros. E pelas mesmas razões.book-money

Aqueles que argumentam — como o autor bíblico Timóteo — que “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” estão, percebam eles ou não, do mesmo lado daqueles que depreciam os intelectuais e os amantes da leitura.

Como assim? Livros são coleções de símbolos abstratos que representam ideias. Nós somos individualmente capazes de ter ideias, mas a invenção da linguagem escrita nos permite registrar e transmitir ideias de forma mais eficiente, em benefício de todos. A escrita potencializa nossa capacidade de pensamento de quatro formas: portabilidade, reserva de valor, precisão e universalidade.

Considere as ideias de Einstein, por exemplo. Se Einstein não tivesse registrado por escrito suas ideias, como o resto de nós aprenderia sobre elas? Somente indo até ele ou trazendo-o até nós de forma que pudéssemos ouvi-lo. Ao registrar suas ideias, Einstein tornou-as portáteis. É muito mais fácil transportar os livros de Einstein do que o seria tê-lo em pessoa.

Além disso: embora Einstein seja um imortal da cultura, ele era fisicamente mortal. As ideias armazenadas em seu cérebro desapareceram com sua morte física. Mas suas ideias escritas são uma reserva de valor inestimável.

As ideias escritas também podem ser estudadas mais facilmente com precisão. Nós podemos comparar as teorias da física de Einstein com as de Aristóteles, de Galileu e de Newton, refinando nossas interpretações e determinando os graus de verdade de forma mais exata. Imagine a dificuldade de tentar fazê-lo somente com gravações e memórias.

Em princípio, os livros permitem que a comunicação entre as pessoas seja universal. Qualquer pessoa que fale um idioma a eles têm acesso, e as traduções permitem vencer as barreiras linguísticas.

Todos esses pontos se aplicam ao dinheiro. O dinheiro é uma representação abstrata de riqueza. Um pedaço de papel com um logo de US$ 1 impresso é praticamente indistinguível de um de US$ 100, exceto pela diferença abstrata entre 1 e 100.

Mesmo sem dinheiro, podemos produzir coisas valiosas e comerciBook_loveralizá-las. Mas, considere as severas limitações do sistema de escambo, que são as mesmas limitações de uma linguagem unicamente oral.

Suponha que você criasse frangos e eu, botas. Eu quero um frango e, em troca, lhe ofereço um par de botas. Contudo, você não precisa de botas. Assim, tenho que descobrir do que você necessita — digamos, um pouco de trigo. Então, busco um agricultor que necessita de botas, troco com ele, e finalmente tenho o trigo para trocar pelo frango. A introdução do dinheiro obviamente torna tudo mais fácil. A universalidade do dinheiro significa que todos nós podemos comercializar diretamente uns com os outros.

Suponha que eu pudesse trocar um 1kg de trigo pelo seu frango, contudo, ainda tivesse que conseguir alguém para reparar a minha porta, sendo que um carpinteiro se oferecesse para fazer o serviço em troca do trigo. Qual é o melhor negócio — trigo por frango ou trigo pelo reparo da porta? O dinheiro torna o cálculo muito mais exato. Se eu soubesse que 1 kg vale US$ 4, um frango vale US$ 5, e uma hora do trabalho do carpinteiro, US$ 10, então, ficaria claro qual negócio é melhor.

Ademais: suponha que eu queira fazer compras ou levar minha família para um passeio. Em uma economia de troca (escambo) — eu ainda como fabricante de calçados — precisaria produzir tantas botas quanto necessárias para trocar por tudo que quero. No caso do passeio com a família, eu teria que encher um trailer com botas para pagar por tudo que gastaríamos na viagem. A portabilidade facilita tudo: necessito somente de dinheiro no bolso.

Botas saem de moda, o trigo estraga e os frangos morrem. Se minha riqueza está sob a forma de uma commodity física, então o controle sobre as minhas finanças está limitado ao tempo de sobrevivência dessas commodities. Um frango pode viver sete anos, mas a minha nota de US$ 5 durará indefinidamente. O potencial do dinheiro como reserva de valor me dá muito mais controle de longo prazo sobre minhas finanças.

O ponto central é que respeitar e mesmo amar livros e dinheiro é saudável — e pelas mesmas razões. O dinheiro nos permite comercializar com quallove_moneyquer pessoa, avaliar cada negócio de forma mais precisa, transportar nossa riqueza mais facilmente, e armazená-la indefinidamente. Os livros nos permitem trocar ideias com qualquer pessoal, e avaliar teorias de forma mais precisa.

Sim, as ideias constantes em um livro podem ser falsas, e o conhecimento pode ser adquirido por meios imorais tais como invasões de privacidade e experimentos cruéis. O mesmo se aplica ao dinheiro, que pode ser falsificado ou adquirido por meios ilícitos (roubo e extorsão, por exemplo).

Mas ser hostil ao dinheiro por princípio não é diferente de ser hostil aos livros por princípio. Ser contra os livros é a marca do analfabetismo cultural, assim como ser contra o dinheiro deveria ser visto como uma marca da ignorância econômica.

Livros e dinheiro são ferramentas poderosas e magníficas que são uma ode à capacidade inventiva da mente humana. Destrua essas ferramentas, e você mantem as pessoas estúpidas e pobres. Crie essas ferramentas — respeitando-as e mantendo-as limpas — e você permite que as pessoas enriqueçam.


hicks-stephen-2013“Amar o dinheiro ou amar os livros — qual é o pior?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Santos III. Artigo Original no “The Good Life”. Visite Publicações em Português para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.

Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.

Leave a Comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *