Uber, Cuba e níveis diversos de liberdade

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Recentemente, eu encontrei um jovem em Miami. Ao invés de tomar um táxi, eu decidir testar o Uber pela primeira vez. Rafael (não é seu verdadeiro nome) chegou alguns minutos depois. Por ser a hora do rush em Miami, o tráfego estava lento e, ao longo do caminho, começamos a conversar.

Ele era um cubano, e até recentemente tinha sido médico em Cuba. Ele amava seu trabalho — os desafios e a benevolência da medicina — e disse que não era uma pessoa politizada. Contudo, a política cubana tinha interesse nele.

Sob o regime comunista de Cuba, Rafael era um funcionário público e recebia US$ 20 dólares por mês como médico. Eu lhe pedi que repetisse, certo de que algo tinha sido perdido na tradução. Mas, não: seu salário era, de fato, US$ 240 dólares por ano.Uber-Logo-Vertical-Dark

Perguntei, então, se tinha sido por isso que ele tinha vindo para os Estados Unidos, buscando ganhos superiores que poderia obter aqui como médico. ‘Na verdade, não’, ele respondeu. O fator decisivo foi saber que o governo cubano planejava enviá-lo para a Venezuela. Em troca de petróleo, Cuba envia cerca de 10.000 agentes de saúde para a Venezuela, onde são monitorados e forçados a trabalhar em condições penosas.

Rafael não gostava de salários baixos, mas o que lhe causava aversão era tornar-se escravo.

Então, ele decidiu escapar. Ele e outros quinze jovens arranjaram um barco e viajaram uma semana pelo Mar do Caribe (aproximadamente 600 milhas náuticas) até Honduras. As habilidades médicas de Rafael foram úteis no percurso; não obstante, na parte final da viagem, alguns dos jovens tiveram que ser amarrados para não caírem ou se jogarem no mar em seu delírio. Os 16 jovens chegaram sedentos e famintos — mas vivos (diferente de algumas tentativas). Logo depois, eles se dispersaram. Rafael seguiu para Miami, trabalhando em qualquer emprego que aparecesse.

Poucos anos depois, ele já tinha condições para comprar um carro. Ele começou a dirigir para a Uber no início deste ano, e disse que em um dia bom, ele consegue ganhar US$ 300. Este valor é suficiente para o seu sustento e de sua família, além de permitir a transferência mensal de alguns valores para membros de sua família que ainda estão em Cuba.

Eu lhe perguntei sobre sua carreira médica. Ele se tornará médico aqui nos Estados Unidos? Muito complicado, ele disse, assim como muito caro e muito demorado. Ao invés disso, ele está frequentando um curso técnico de enfermagem à noite, tendo como objetivo terminar sua formação dentro de dois anos.

Outra história de sucesso de um imigrante. Exceto que a política, novamente, tem um interesse particular em Rafael.anti-uber-protests-307026

Como em muitas cidades, o Uber é um tópico controverso em Miami e pode ser proibido pelos políticos. O Uber está sob ataque em outros lugares — Flórida, Nevada, Nova York, Califórnia — assim como na França e no Brasil onde protestos violentos estão ocorrendo.

Grandes somas de dinheiro estão em jogo, assim como princípios políticos fundamentais.

Atualmente, os taxistas são obrigados por muitos governos locais a ter uma licença. Cidades vendem licenças a operadores de táxis, venda que se constitui uma fonte significativa de renda por cidades. Em troca, os taxistas recebem vários privilégios tais como a proteção da concorrência. No jargão econômico, a indústria do táxi é um monopólio ou cartel governamental, dependendo da cidade. No jargão político, é um exemplo de parceria público-privada ou “terceira via”, a qual tenta mostrar uma opção que venha a mesclar o melhor do capitalismo de livre mercado ao socialismo.

O dinheiro envolvido é astronômico: o valor das licenças varia de US$ 270 mil em Chicago a US$ 400 mil em Miami, chegando a US$ 1 milhão na cidade de Nova York. Existem mais de 13.600 táxis em Nova York, além de 40.000 outros carros licenciados de aluguel. Faça as contas.

Surgem novos players (Uber e Lyft), que funcionam como negócios quase puros de livre mercado. Motoristas particulares são conectados a clientes por meio de aplicativos Uber ou Lyft, disponíveis gratuitamente em qualquer smartphone. Como cliente, você pode obter uma estimativa de custo dacorrida antes de solicitar o serviço. Tão logo o aplicativo estabelece a conexão, você pode ver a imagem do motorista e do carro, assim como um mapa que indica quão próximo ele está do endereço do cliente e o tempo estimado de chegada.

Tive quatro experiências com o Uber até o momento. Todos os veículos estavam mais limpos que um táxi convencional. Todos chegaram com rapidez (dois chegaram antes de 1 minuto), os motoristas foram todos cordiais e amigáveis, e o custo de cada corrida foi, em média, 40% menor do que a de um táxi convencional.

Os cartéis do táxi estão ameaçados; eles, por sua vez, estão pressionando os políticos que lhes venderam as caríssimas licenças. Nós [donos das licenças] estamos perdendo o valor que investimos, já que muitos clientes potenciais preferem o Uber. Nós tínhamos um acordo que vocês [políticos] protegeriam o nosso monopólio.

Detalhe: a proteção governamental é sempre acompanhada de restrições, e os taxistas estão sujeitos a todos os tipos de regras e regulamentações. Então não é justo, reclamam as companhias de táxi, afirmando que os motoristas do Uber não estão sujeitos a praticamente nenhuma regulamentação.

É claro, é como ir para a cama com o governo — e reclamar que a vida sexual dos outros não é tão controlada.

O que nos leva ao princípio político. O fato que alguém está reclamando do Uber e do Lyft deveria nos enfurecer. Quem tem o direito de dizer a Rafael, meu amigo taxista, que ele não pode receber US$ 20 por me levar ao aeroporto? Quem tem o direito de me dizer que não posso usar o Uber para encontrar outras pessoas que estão dispostas a me transportar?protest-uber.1910x1000

Rafael está tentando ganhar a vida de forma honesta, oferecendo um serviço útil. É o seu carro e sua vida. É a minha escolha e o meu dinheiro. Por que deveria algum político ou empresa de táxi ser capaz de se intrometer na questão?

Suponha que Rafael fosse meu vizinho ou somente um cara amigável que tivesse oferecido uma carona até o aeroporto. Ele deveria estar totalmente livre para fazê-lo. Agora suponha que eu esteja de acordo em lhe dar US$ 20 para fazê-lo. Em princípio, nada mudou — ambos somos livres para fechar um acordo mutuamente benéfico.

(Eu sou fã da obra The Right to Make a Living de Timothy Sandefur que desenvolve esse argumento de forma mais detalhada).

Rafael fugiu de um governo cubano que oprime e destrói vidas como uma questão de princípio político. E ele chegou aos Estados Unidos, onde está trabalhando muito para realizar seus sonhos, dando condições para que ele e sua família tenham uma vida boa.

Os inimigos do Uber poderiam querer limitar as opções de Rafael ao tornar ilegal seu meio de subsistência. Mas o resto de nós pode e deve celebrar as tecnologias inovadoras que estão sendo criadas por empresas como a Uber — a conveniência e a redução de custos aos clientes — e as oportunidades de lucro aos muitos motoristas.

E podemos insistir no princípio moral: pessoas livres podem tomar suas próprias decisões e fechar seus próprios negócios. Políticos e corporativistas não devem se meter.

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hicks-stephen-2013“Uber, Cuba e níveis diversos de liberdade” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Santos III. Artigo Original no “The Good Life”. Visite Publicações em Português para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.

Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.

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